domingo, 21 de setembro de 2014

#Perfil: As havaianas da Nána e os sapatos altos da Anariely

De havaiana no pé, lá ía Anariely Noronha levantando poeira na rua. Frágil, ingénua e bagunceira brincava em casa de seus tios com suas primas, enquanto a mamãe e o papai trabalhavam. Sua mãe não gostava de seu jeito bagunçado e sempre falava “Encolha a barriga Náná! Não coma chocolates!." Vivia numa pequena casa e não tinha televisão. Sua tia um dia falou que lhes ia comprar uma, então Nána estava sempre perguntando “titia, cadê tv?” e a repreensão viria junto “Não diga isso! Que falta de educação com sua tia, menina!”.

Não gostava das exigências de sua mamãe, o papai era seu predileto. No entanto a visão que tinha de sua mamãe mudou quando no funeral de seu irmão mais velho brincava debaixo do caixão e não ouvir repreensão. Ouviu o choro de sua mamãe. O choro e a preocupação geraram afeto naquela criancinha e, a partir daí, sua mamãe era sua melhor amiga e confidente. Um dia, o Papai teve de sair de casa para trabalhar em Portugal. As suas havaianas ficaram sem vontade de brincar. Não via a hora de ir ter àquele deserto com uma cabana onde seu papai fazia café, assim imaginava aquele país no seu conto de fadas.

Com cinco anos entra num avião com sua mamãe e chega junto de seu papai. Tudo muda. Portugal afinal não era o deserto que imaginara- Era um “país normal”, mas já não importava mais, desde que estivesse perto dos que ama. O calor de Minas Gerais muda para o impacto frio da cidade do Porto. De havaianas passa a botas. Das suas primas passa a crianças que gozam com a sua roupa.“Mamãe me compra roupa nova, senão não tenho amigos!” assim implorava. Anariely passou de havaianas para nike, juntamente com Zara e outras marcas europeias. Aqui começa a fusão entre o Português e o Português do Brasil. Já não era a menina desajeitada que levantava poeira.

Dois anos da vida dela ficaram no Porto. Os seus pais, como não gostavam da vida que tinham lá, decidiram mudar-se novamente, desta vez, para a aldeia pacata de Arganil. O impacto para Anariely voltou a ser frio, ainda não se habituara. Agora o problema não era a roupa, mas a vaga da turma que ocupou, porque era de uma menina muito querida ali, a Carolina, e todos os meninos pensaram que ela iria roubar o seu lugar. Com a convivência e a sua simplicidade começou, finalmente, a criar laços fortes. Foi ali que teve grandes aventuras, os primeiros namoricos, a tão esperada infância feliz, aquela que gostava que os seus filhos tivessem, como repete tanta vez.

Com treze anos teve que deixar a sua Arganil para tomar rumo a uma cidade: Coimbra. Já com o sotaque Português, modos e caráter europeus, o seu impacto foi quente. Entrou na escola básica Dr.ª Maria Alice Gouveia e cruzou-se comigo, finalmente. Em Coimbra, tornou-se numa senhora de sapato alto, contrariamente às havaianas da Náná bagunceira e às nike do Porto e Arganil. A personalidade dela recebeu “a cereja no topo do bolo”, como refere. As grandes relações foram cultivadas aqui. Pela primeira vez sentiu-se em casa.

Hoje, com 19 anos, tem um conflito mental entre a Náná Brasileira e a Anariely Portuguesa. Das suas raízes, não esquece a alegria e a humildade, mas quer esquecer a fragilidade e a ingenuidade. Todavia, cresceu em Portugal e ama esta terra. Portugal tornou-a forte, sem medo de sofrer, como sempre deveria ter sido. Coimbra deu-lhe a hospitalidade e conforto que procurara. As havaianas foram arrumadas. De sapato alto sai Anariely Noronha à rua, firme, de sobrancelha franzida, mas sempre com a humildade no coração. Sai à rua para ir tocar na banda da sua Igreja Evangélica. É uma mulher de fé. Estuda todos os dias biologia e matemática na perspetiva de entrar em Medicina. Para ela, o esforço e a dedicação são fundamentais para o sucesso. Esta sua jornada resultou na sua determinação e maturidade. A Anariely de hoje é uma mulher que vale a pena ver passar na rua. Seja de havaiana, botas ou sapatos saltos o seu brio jamais cairá e a sua barriga estará sempre encolhida.










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