sábado, 18 de fevereiro de 2017

Mesquinhices de género

Ai o feminismo! Uma palavra que está na moda sem ser entendida. Poderia começar por fazer uma longa viagem à história das lutas e das figuras feministas, como o movimento das Sufragistas e os pensamentos de Simone de Beauvoir, mas não vou começar por aí. Venho falar-vos do feminismo que é tema de conversa nos cafés, sem qualquer substância, e que é um grande atrofio no avanço da igualdade de género. 

Tudo tem um contexto e , apesar de não querer dissecar a história, é preciso entender de uma vez por todas o verdadeiro significado de feminismo. Feminismo traduz igualdade de género. Não traduz superioridade, superficialidade, nem extremismo. De nada vale à causa feminista manifestações em topless e movimentos como #freethenipple. O senso comum que deambula pelas conversas banais entre as mulheres reforçam que não querem a sexualização da mulher, nem que a sociedade as continue a tratar como objetos. Ora, com estes movimentos estes primeiros anseios aglutinam-se. 

Os movimentos sociais que, à partida, poderiam incentivar à união feminina resultam numa fragmentação de valores quando o valor essencial deveria ser só um: igualdade. É isso, tudo o que as mulheres deveriam querer era igualdade. Igualdade de direitos, salários e oportunidades deveriam ser as causas basilares da bandeira feminista. Movimentos como a mudança de "tiques" linguísticos como a passagem de "portugueses" para "portuguesas" é só uma mesquinhice redundante que nos afasta da verdadeira questão. O que nós queremos é desempenhar a mesma função que um homem e receber o mesmo salário que ele. O que nós queremos é provar à sociedade que podemos ser donas de casa, marias rapazes, executivas, lutadoras de boxe, camionistas ou o que nos der na real gana sem barreiras ou preconceitos. O que nós não queremos é que hajam companheiras nossas que tentem impor um modelo de mulher ideal. Todas aquelas mulheres que consideram que o feminismo é exclusivamente sobre a independência e emancipação feminina estão enganadas. O feminismo passa por todas as mulheres poderem ser ou desempenhar o papel que desejam na sociedade, mesmo que seja o papel de dona de casa dependente do marido. Isso é feminismo, aceitar o livre arbítrio da nossa semelhante despido de preconceitos. Aceitar as diferenças das outras de braços abertos é tornar-se numa mulher capaz de lutar pelos nossos direitos. 

Um conselho de companheira: não entremos em mesquinhices de género e unamo-nos nas nossas diferenças. Só assim é que realmente podemos caminhar para frente sem ficar em loop infinito na questão presidente/presidenta.



domingo, 21 de setembro de 2014

#Perfil: As havaianas da Nána e os sapatos altos da Anariely

De havaiana no pé, lá ía Anariely Noronha levantando poeira na rua. Frágil, ingénua e bagunceira brincava em casa de seus tios com suas primas, enquanto a mamãe e o papai trabalhavam. Sua mãe não gostava de seu jeito bagunçado e sempre falava “Encolha a barriga Náná! Não coma chocolates!." Vivia numa pequena casa e não tinha televisão. Sua tia um dia falou que lhes ia comprar uma, então Nána estava sempre perguntando “titia, cadê tv?” e a repreensão viria junto “Não diga isso! Que falta de educação com sua tia, menina!”.

Não gostava das exigências de sua mamãe, o papai era seu predileto. No entanto a visão que tinha de sua mamãe mudou quando no funeral de seu irmão mais velho brincava debaixo do caixão e não ouvir repreensão. Ouviu o choro de sua mamãe. O choro e a preocupação geraram afeto naquela criancinha e, a partir daí, sua mamãe era sua melhor amiga e confidente. Um dia, o Papai teve de sair de casa para trabalhar em Portugal. As suas havaianas ficaram sem vontade de brincar. Não via a hora de ir ter àquele deserto com uma cabana onde seu papai fazia café, assim imaginava aquele país no seu conto de fadas.

Com cinco anos entra num avião com sua mamãe e chega junto de seu papai. Tudo muda. Portugal afinal não era o deserto que imaginara- Era um “país normal”, mas já não importava mais, desde que estivesse perto dos que ama. O calor de Minas Gerais muda para o impacto frio da cidade do Porto. De havaianas passa a botas. Das suas primas passa a crianças que gozam com a sua roupa.“Mamãe me compra roupa nova, senão não tenho amigos!” assim implorava. Anariely passou de havaianas para nike, juntamente com Zara e outras marcas europeias. Aqui começa a fusão entre o Português e o Português do Brasil. Já não era a menina desajeitada que levantava poeira.

Dois anos da vida dela ficaram no Porto. Os seus pais, como não gostavam da vida que tinham lá, decidiram mudar-se novamente, desta vez, para a aldeia pacata de Arganil. O impacto para Anariely voltou a ser frio, ainda não se habituara. Agora o problema não era a roupa, mas a vaga da turma que ocupou, porque era de uma menina muito querida ali, a Carolina, e todos os meninos pensaram que ela iria roubar o seu lugar. Com a convivência e a sua simplicidade começou, finalmente, a criar laços fortes. Foi ali que teve grandes aventuras, os primeiros namoricos, a tão esperada infância feliz, aquela que gostava que os seus filhos tivessem, como repete tanta vez.

Com treze anos teve que deixar a sua Arganil para tomar rumo a uma cidade: Coimbra. Já com o sotaque Português, modos e caráter europeus, o seu impacto foi quente. Entrou na escola básica Dr.ª Maria Alice Gouveia e cruzou-se comigo, finalmente. Em Coimbra, tornou-se numa senhora de sapato alto, contrariamente às havaianas da Náná bagunceira e às nike do Porto e Arganil. A personalidade dela recebeu “a cereja no topo do bolo”, como refere. As grandes relações foram cultivadas aqui. Pela primeira vez sentiu-se em casa.

Hoje, com 19 anos, tem um conflito mental entre a Náná Brasileira e a Anariely Portuguesa. Das suas raízes, não esquece a alegria e a humildade, mas quer esquecer a fragilidade e a ingenuidade. Todavia, cresceu em Portugal e ama esta terra. Portugal tornou-a forte, sem medo de sofrer, como sempre deveria ter sido. Coimbra deu-lhe a hospitalidade e conforto que procurara. As havaianas foram arrumadas. De sapato alto sai Anariely Noronha à rua, firme, de sobrancelha franzida, mas sempre com a humildade no coração. Sai à rua para ir tocar na banda da sua Igreja Evangélica. É uma mulher de fé. Estuda todos os dias biologia e matemática na perspetiva de entrar em Medicina. Para ela, o esforço e a dedicação são fundamentais para o sucesso. Esta sua jornada resultou na sua determinação e maturidade. A Anariely de hoje é uma mulher que vale a pena ver passar na rua. Seja de havaiana, botas ou sapatos saltos o seu brio jamais cairá e a sua barriga estará sempre encolhida.